Liderança Compassiva: Equilíbrio diante do abismo

Liderança Compassiva: Equilíbrio diante do abismo
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Como a liderança compassiva pode contribuir com equilíbrio diante de nossos desafios? Recentemente concluí a leitura do livro À Beira do Abismo, escrito por Joan Halifax. Este livro foi um presente de uma amiga querida, e não pesquisei nada sobre a autora ou o título antes de me entregar a leitura. Talvez, justamente por isso, o livro tenha me surpreendido tanto. Ele me levou a refletir sobre muitos aspectos sobre mim mesma e minhas relações, não só no trabalho, mas também como pessoa.
Joan Halifax desenvolve a narrativa do livro em torno do que chama de Estados Limites. Esses estados são qualidades bivalentes: podem servir como base para uma vida compassiva e corajosa, mas, quando ultrapassamos o limite, tornam-se perigosos.

O que são estados limites?

Os estados limites são qualidades fundamentais para as relações humanas e para o exercício da liderança compassiva. Eles incluem altruísmo, empatia, integridade, respeito e engajamento, todos essenciais para o bem-estar e o desenvolvimento de equipes e indivíduos. No entanto, Joan Halifax nos alerta sobre os perigos de ultrapassarmos esses limites:

  • O altruísmo que pode se tornar patológico quando nossas ações acabam prejudicando os outros;
  • A empatia pode deslizar para angústia empática, especialmente quando assumimos o sofrimento de outra pessoa de forma intensa demais;
  • A integridade pode levar ao sofrimento moral, principalmente quando vivenciamos situações que violam nossos valores e senso de justiça;
  • O respeito pode se transformar em desrespeito tóxico, seja para os outros ou conosco;
  • O engajamento se torna burnout quando vira excesso de trabalho, ou quando nos vemos inseridos em um ambiente de trabalho tóxico ou sentimos que não somos eficazes, apesar de todo o engajamento.

Quando me dei conta de onde vamos parar quando ultrapassamos os estados limites, percebi que já vivi momentos relacionados a praticamente todos eles. Identifiquei momentos na minha biografia em que eu achei que estava ajudando alguém, mas, na verdade fazia mal a mim mesma e a outra pessoa. E não pense que este é um assunto superado! Eu facilmente caio na ilusão de que tenho poder para salvar a situação, e neste momento ultrapasso o limite.

Mas, podemos praticar altruísmo, empatia, integridade, respeito e engajamento sem cair no abismo. E o caminho é a prática da compaixão. 

Os 5 estados limites e a liderança compassiva

Exercer a liderança a partir da consciência de que estamos inseridos em um sistema complexo, vivo e em constante transformação, é o mesmo que estar a todo instante lidando com os limites para o abismo. Seja porque ultrapassamos a linha ou porque não conseguimos chegar nem perto do cume. 

Como coach, ouço muitos líderes dizendo que não podem ser empáticos, caso contrário a equipe “abusa”. Dizem também que esperam respeito da equipe, mas que a equipe não faz mais do que a “obrigação” quando realiza uma entrega. E por aí vai. Se você quiser se tornar uma liderança que transforma, é preciso ter em mente que sim, é preciso colocar os 5 estados limites em equilíbrio.

Liderança Compassiva e Altruísmo

Agir de maneira altruísta é realizar ações que melhoram o bem-estar de outras pessoas, sem ter nenhum interesse ou esperar algo entrega. Além disso, é ter algum custo ou risco para nosso próprio bem-estar a partir de nossa ação.

Quando agimos a partir do altruísmo não buscamos aprovação ou reconhecimento, nem tão pouco fazemos o que fazemos para nos sentirmos melhor com a gente mesmo. Está fácil?

Te convido a refletir sobre qual foi a última vez que você realizou uma ação de maneira realmente altruísta. Se você fez algo buscando melhorar as chances de seu bônus, ou de sua promoção, na verdade você estava atendendo as demandas do seu ego e não buscando melhorar o bem-estar do outro.

Para garantir que você está no caminho certo em vez de realizar algo para ser visto como uma boa pessoa ou para se sentir bem, você poderia se perguntar: Como isso vai servir?

Lembra que a compaixão torna o caminho para o altruísmo seguro? Joan sugere 3 princípios: mantenha a mente aberta, acompanhe o sofrimento da outra pessoa e responda com carinho.

Empatia e a capacidade de escuta

A empatia descreve a capacidade que quase todos os seres humanos tem de incluir outra pessoa em sua consciência de uma maneira que os permita sentir o que as outras pessoas podem estar sentindo física, emocional ou cognitivamente. A empatia é um precursor da compaixão, mas não é compaixão.

Daniel Goleman fala sobre 3 tipos de empatia:

  • Empatia Cognitiva: capacidade compreender o ponto de vista do outro;
  • Empatia Emocional: quando acolhemos os sentimentos de outra pessoa;
  • Empatia Compassiva: quando sentimos o impulso de aliviar o sofrimento de outra pessoa.

Você já se viu diante de alguém e sentiu que o sofrimento era tanto que você não tinha como fazer nada? Diante de uma catástrofe por exemplo, ou quando você vê pessoas que vivem nas ruas, talvez você sinta que não pode fazer nada. Muitos de nós abandonam pessoas em sofrimento, ou evitam situações difíceis porque é muito doloroso estar nesta situação. Em outros momentos, podemos tentar ajudar demais! Oferecendo algo que o outro não precisa para aliviar a sua dor. 

A empatia está sempre entre um frágil equilíbrio entre o presente e a invasão. – Leslie Jamison

Estabeleça limites claros

Não ter limites claros pode prejudicar ambas partes. Imagine que você assumiu uma equipe recentemente, percebe que alguém no time está com dificuldade para resolver um problema, mas você sabe exatamente o que fazer. Afinal, você era um especialista até pouco tempo atrás. Então, você resolve o problema pelo outro. Quando você faz isso, pode acabar se sentindo sobrecarregado e a outra pessoa, deixou de ter a chance de crescer e amadurecer. Será que o que a pessoa precisava era realmente que você fizesse por ela? Aprenda a escutar o outro de maneira profunda.

Existem 4 práticas que podem ajudar no desenvolvimento da empatia:

  • Atenção plena;
  • Escuta ativa;
  • Manter consciência sobre a diferença entre eu e a outra pessoa;
  • Reconhecer a nossa humanidade comum.

Integridade e o compromisso com nossos valores

Manter a integridade significa alinhar suas palavras e ações aos seus valores. Ou seja, assumindo um compromisso consciente de honrar princípios éticos e morais.

Você tem clareza sobre quais são os seus valores? É muito comum as pessoas não terem clareza sobre isso. Sentem desconforto diante de determinadas situações, mas não sabem de onde vem. Se você não tem claro quais são seus valores, como pode se manter firme diante de um desafio? 

Quando faço o que todo mundo faz para sentir que pertenço e assim, não ter que lidar com a rejeição, ou a crítica, provavelmente estou ignorando os meus próprios valores.

Minha sugestão? Comece refletindo sobre os seus valores. Mas, faça isso de maneira honesta! Se for difícil para você fazer isso sozinho, procure apoio de um coach.

Nem tudo o que é enfrentado pode ser mudado. Mas nada mudará se não for enfrentado. – James Baldwin

Todos os dias enfrentamos dilemas, e se você lidera uma equipe, sabe do que estou falando. E isso acontece, principalmente, quando nossos valores não estão coerentes com os valores da empresa. Como podemos nos manter firmes diante deste cenário?

  1. Praticando atenção plena;
  2. Entrando em contato com nossos sentimentos e emoções;
  3. Tomando consciência dos pensamentos que surgem diante do dilema, separando fatos de pré conceitos;
  4. Expandindo nossa capacidade de observação para o outro, buscando compreender as perspectivas dele e o que pode estar;
  5. Talvez você não encontre alternativa perfeita, mas faça a melhor escolha possível.

Uma pessoa sem integridade, não reconhece as contribuições dos outros. Então, pratique a gratidão! Qual foi a última vez que você reconheceu as contribuições das pessoas que trabalham com você?

Respeito e parceria

Respeito é um dos meus valores pessoais, sempre que me refiro a este valor, destaco o quanto valorizo o respeito a mim, ao próximo e a natureza. Segundo Joan Halifax, ter respeito pelo outro é honrar sua autonomia e seu direito à privacidade, agir com integridade, ser leal e verdadeiro com ele. 

Nós estamos naturalizando o desrespeito. Pense em você no ambiente de trabalho. Você honra a autonomia dos seus pares quando estão envolvidos em um mesmo projeto complexo e que interfere em sua avaliação de desempenho? E o direito à privacidade? Não preciso nem entrar em muitos detalhes, considerando o nível de exposição que temos hoje em nossas redes sociais. 

O respeito pelo outro é um reflexo do respeito que nutrimos por nós mesmos. Agir com respeito não significa ignorar o que sentimos, ou deixar de realizar uma crítica sobre algo com o qual não concordamos, mas é dizer a verdade. 

Sem respeito não há parceria, e precisamos nos lembrar de que estamos todos interligados em uma teia que conecta tudo. O respeito é um elemento chave para a construção de um ambiente de confiança, em que a inovação e a alta performance se tornem possíveis.

E lembre-se: não estamos conectados somente as pessoas com as quais temos uma boa relação. Também estamos conectados com aquela pessoa com a qual preferíamos estar separados por quilômetros de distância.

Algumas dicas para que você se mantenha no equilíbrio:

  • Não leve as coisas para o lado pessoal;
  • Não faça suposições;
  • Faça e mantenha acordos claros;
  • Mantenha as coisas em perspectivas.

Pratique a fala correta

Uma das bases para a conexão e o cuidado é a fala correta. Colocar a fala correta em prática significa que antes de dizer algo, ponderamos:

  1. É verdade?
  2. É gentil?
  3. É benéfico?
  4. É necessário?
  5. Este é o momento adequado?

Essas perguntas nos ajudam a entender se o que queremos dizer é realmente necessário e se será útil de alguma forma naquele momento. Quando você oferece um feedback para alguém, é capaz de dizer a verdade e ser gentil ao mesmo tempo?

Sabe aquela tal conversa de corredor, em que falamos algo de alguém e não para alguém? Então, de nenhuma maneira esta atitude contribui para a fala correta. Outro aspecto importante é: não diga coisas falsas só para impressionar alguém. Da mesma forma, não critique ou condene sem ter certeza. Tenha a coragem de levantar a voz quando vir algo que considera injusto.

Quando nosso autorrespeito é forte, não precisamos depreciar os outros. – Joan Halifax

Engajamento e bem-estar

Engajamento se refere a um relacionamento saudável com nosso trabalho e serviço aos outros, quando nos colocamos de maneira pró ativa diante de algo que acreditamos. Mas, quando estamos diante de uma relação em desequilíbrio com nossa vocação, estamos sujeitos ao burnout e ao desânimo.

Este desequilíbrio também pode ser expresso em uma relação em que a recompensa emocional é muito pequena diante de nosso esforço, ou mesmo quando sentimos que nossa contribuição não está fazendo a diferença.

O trabalho diz respeito a nossa energia e através dele damos energia ao mundo, aos outros e a nós mesmos. Por isso, a ideia materialista de que trabalho é a troca de nosso esforço por moeda, está nos levando ao adoecimento.

O termo burnout existe desde 1974 e foi introduzido pelo psicólogo Graham Greene. Depois de décadas, somos hoje um dos países com maior índice de burnout no mundo! Então, a mudança é urgente. Precisamos abandonar o vício de nos ocupar e de nos dedicar de maneira excessiva ao trabalho. Quando pergunto às pessoas como elas estão, a maioria delas diz: na correria. Essa cultura de emergência está nos adoecendo.

Use o trabalho como meio para cultivar sabedoria e compaixão

Enquanto escrevo este artigo, inicio meu último ano na faculdade de psicologia e meu trabalho de conclusão de curso é sobre a influência da cultura organizacional no desenvolvimento da síndrome de burnout. Este é um tema muito amplo e importante! Mas quero deixar algumas sugestões sobre como apoiar o engajamento em equilíbrio.

  1. Trabalhe para a vida em vez de trabalhar para viver;
  2. Encontre um trabalho alinhado a seus valores;
  3. Faça pausas.

Algumas perguntas para te ajudar a refletir:

  • Por que estou me esforçando tanto?
  • Por que permaneço nesse local de trabalho tão tóxico?
  • Existe algo que eu possa fazer para mudar minha experiência?

O equilíbrio está em nossas mãos

Como líder a sua forma de atuar influencia a forma como sua equipe atua. Já imaginou no poder de sua transformação pessoal? A sua transformação influencia a transformação de outras pessoas. Podemos sim construir ambientes de trabalho mais felizes e produtivos, e essa mudança depende de nós!

Normalmente finalizo meus artigos com perguntas ou convites a alguma ação, mas desta vez, quero terminar com um texto atribuído a Albert Einstein e deixo com você a decisão sobre qual será o seu próximo passo depois desta leitura.

Um ser humano é parte de um todo, que nós chamamos de “universo”, uma parte limitada no tempo e no espaço. Ele experiencia a si mesmo, seus pensamentos e sentimentos, como algo separado do resto – uma espécie de ilusão óptica da consciência. Essa ilusão é como prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos pessoais e ao afeto por algumas pessoas próximas a nós. Nossa tarefa deve ser nos libertarmos dessa prisão, ampliando nossos círculos de compaixão para incluir todas as criaturas vivas e toda a natureza em toda a sua beleza. – Albert Einstein

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Fabiana Mello
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